"Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou! "

Florbela Espanca


segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Sabes como gosto de caminhar à beira mar. Nos últimos dias também o tenho feito no final da tarde. Sabes querido, quando a noite começa a avançar devagarinho, e eu me vou perdendo pelos caminhos, esbarrando nas paredes da solidão...feita de silêncios..
Hoje, quero fazer chegar até ti as imagens que me vão desfilando, pelo castanho escurecido dos meus olhos.
No horizonte tudo se funde, não há mais céu , não há mais mar...Tudo é cinza, várias tonalidades de cinza...Incansável, o cinza cospe rolos de espuma branca que me fere a vista...que fere o cinza...e eu tento adivinhar a linha que separa o céu do mar...
De olhar magoado sigo o branco. Branco espuma que o mar esfarrapa no areal como se fossem pipocas gigantes... porquê agora esta ideia das pipocas se nunca gostei de pipocas....
Deixo o branco e fixo de novo o olhar no cinza, na esperança de te ver aparecer...e te reconhecer pela voz... pela alma a que me prendi...Descobrir alguns dos traços do teu rosto, que tenho pincelados na memória. Quadro inacabado!...Queria tanto pintar-te um sorriso, e um brilho no olhar que adivinho...
Mas o mar está enraivecido, deve estar zangado com a cor que o Criador lhe atribuiu por estes dias...
Em terra está tudo tão sereno. O vento deve ter se afastado do touro enraivecido que está o mar, deve andar por outros lugares mais coloridos... Até que não seria má ideia que hoje soprasse, talvez assim te levasse da minha memória! Talvez assim eu não ficasse tão triste, tentando descobrir-te no cinzento desta tarde , em que até o silêncio tem as cores cinza.
Talvez fizesse um grande emaranhado dos meus cabelos loiros, que um dia disses-te parecerem de anjo e me ofuscasse a visão... Assim, eu não tentaria mais desvendar o caminho que me leva em procura do teu olhar, e tu não precisavas de te fechar nas portas gigantescas do horizonte...

Não me estranhes. Hoje deu-me para escrever, apesar das palavras por vezes parecerem inúteis... Mas sabes querido, hoje não me apetece deixar de escrever. Assim como me apetece que nunca pares de me mimar. Hoje sinto saudades dos teus mimos...
Sabes, o horizonte continua cinzento, a areia continua a sorver os rolos de espuma, e o mar de tanto gritar já está rouco...mas é teimoso. É teimoso como eu, e continua a embater nas rochas lá na ponta do esporão. Em cada rugido que dá, envolve o meu corpo no seu hálito salgado...beijo feito de cristais de sal... e as ondas vão e vêm... assim como eu... assim como tu. Tão depressa se dão como se recusam...
Os meus olhos estão cansados, e o mar continua a deitar espuma branca...
Porque vão e vem as ondas...Porquê meu querido?...
O mar é caprichoso...e a espuma, é a ânsia do mar que vem espraiar os seus desejos na areia...derrama o seu prazer no areal...
Mas já não sei querido se esta espuma hoje é a ânsia do desejo...porque o mar hoje parece-me tão triste!...Que, já não sei, se não serão lágrimas de angustia cheias de ranho que as ondas jogam na areia....
Porque será que o mar nunca se cansa querido?...Será inquieto como eu?...Diz-me, será que algum dia vamos descansar deste turbilhão de pensamentos...deste enrola e desenrola de sentimentos, que deslizam em nós e nas areias onde me vejo deitada...
O sol que não cheguei a ver, acabou de ser engolido sofregamente pelo mar.
São horas de regressar. Começa a ficar escuro e eu estou cansada, desta luta cega que travei com o horizonte.
Queria sair a voar daqui...as botas de salto alto e fino, não são boas companheiras para caminhar na praia. Os pés doem, e a alma dói...e os meus lábios sabem a sal.
A lua deve ser preta, porque hoje não a vejo. Diz-me querido porque não brilha hoje a lua e atrás de mim o mar continua a rugir como se fosse um animal selvagem?...

Melhor esquecer por hoje o mar, a paleta de cinzentos , a ânsia e a angústia da espuma ....
Melhor regressar a casa , à rotina que me engole o pensamento até que o sono me leve a naufragar nos lençóis brancos em que me deito... e deixar que os sonhos tomem conta de mim, onde sei que o teu abraço me espera!...

@Margusta
In " Contos do A-Mar"
2007/12/07

3 comentários:

Maria Clarinda disse...

LINDOOOOOOOO!!!!!!!

Maria disse...

É tão bom saber que um abraço nos espera.....
... basta fechar os olhos para o sentir...

Beijo, Margusta

C Valente disse...

texto muito bonito e com carinho
Santo Natal com paz e saúde e uas saudações amigas